Alvaro Acioli
A cidadania deixou de ser apenas
o que define direitos individuais e costumes dos que nascem em um mesmo
território. A cultura do efêmero, do sucateamento programado, consagrou uma interdependência
entre cidadania e consumo. Somos cidadãos-consumidores de julgamentos,
comportamentos e atitudes - criadas pelo marketing
- que raramente correspondem às nossas necessidades, gostos e expectativas.
Na sociedade atual boa parte da
racionalidade das relações se constrói, não em disputas, mas justamente pela
posse de símbolos que conferem prestígio ou afirmação . Consumir tornou-se participar de um cenário de
disputas por aquilo que é produzido e pelos modos de usar. O consumo é um
não-lugar onde os conflitos entre classes, originados pela desigual
participação social, se manifestam através da distribuição e da obtenção de
coisas.
Curiosamente a sociedade que
transformou a todos em consumidores até do futuro continua tratando a maioria
como cidadãos de um longínquo passado. E como não é universal o acesso aos bens
materiais ou simbólicos a massa não se sente existindo, vivendo uma cidadania
plena.
Até nas mega cidades globais a
prosperidade contrasta com formas gritantes de pobreza, com índices brutais de
exclusão social. Essa contradição é mais grave nos países subdesenvolvidos e
nas metrópoles onde uma política seletiva exclui a maior parcela dos direitos
humanos básicos : trabalho, saúde, educação e moradia.
Mas a lógica que rege a apropriação
dos bens, enquanto objetos de distinção,
não é a da satisfação de necessidades e sim a da escassez desses bens ou a do
desejo de impedir que outros venham a possuí-los. Consumir, mesmo que consumindo-se, tornou-se uma necessidade quase
universal.
Os excluídos também estão
tentados a sair da marginalidade através da fúria consumista. É assim que
reagem à ideologia de mercado dominante, para a qual só existe aquele que tem
ou pode vir a possuir. É justamente o pânico da inexistência psicológica que está
levando muitos excluídos a querer ser ( ter ) a qualquer custo; mesmo que seja da
própria vida.
Aumentou extraordinariamente o
número dos que não têm nada a perder e, por isso mesmo, nada mais a temer. Não
é com barbarismos que se vai neutralizar a atual escalada de crimes hediondos.
É uma ingenuidade imaginar que esse drama social se resolve com mais vigilância
e punições mais severas. A sociedade precisa é de mais humanidade e menos
presídios.