Alvaro Acioli
A criancinha que cobre com suas pequenas mãos o rostinho está
convencida de que se escondeu completamente. Falta-lhe a consciência da pessoa total.
Ela Identifica suas partes corporais, mas não construiu ainda uma imagem física
global. Isso vai acontecendo ao longo de sua socialização.
Curiosamente a consciência desse esconder-se dos outros - durante toda a existência - acompanha-se da vivência de estar escondendo (mais que o
próprio corpo) o si mesmo. Um imaginado si mesmo que deseja evitar o
reconhecimento por razões não prazerosas, geralmente ilusórias, ainda que bem
racionalizadas..
A reiteração desse procedimento
de bloqueio relacional acaba por
consolidar a vivência imaginaria de que o “encontro” humano é realmente ameaçador.
Instala-se um ciclo vicioso: evita-se para não sofrer e sofre-se por não
conseguir deixar de evitar. O viver normalmente, liberando o ir e vir social,
passa a ser sonho, fantasia, uma quase utopia.
Torna-se uma quase impossibilidade, sempre racionalizada por essa
ou aquela ilusão, como se existisse algum motivo físico ou psicológico que
justifique o confinamento existencial.
Não se deixa de viver por preguiça, mas por recusa, gerada pelas
ingênuas razões que a mente vai criando e acumulando, valendo-se das ideações
negativas que passaram do inconsciente coletivo para o nosso inconsciente individual.
São em geral vivências internalizadas por modismos sociais que variam com o
tempo ou com as circunstâncias.
O verdadeiro si mesmo é o ser em si, o ser que é. E esse não
parece isso ou aquilo, não é gordo nem magro, sagaz ou bobo, inteligente ou
ignorante, bonito ou feio. Esse ser habita uma pessoa real, viva, original,
ainda que parecida diferente de todos as outras.
Uma pessoa que nasceu construída para a totalidade, para a
plenitude. E não para a parcialidade nem para sentir-se isto ou aquilo na
dependência absoluta das circunstancias que lhe envolvem.
Dizendo de outra forma: ninguém precisa sonhar para ser, já é potencialmente
tudo o que pode ser, sentir e fazer; por si mesma e por todos os outros.
O tempo mostra que a aparência da autoimagem não é apenas a que o
espelho reflete, mas sobretudo a que foi idealizada. O tempo não destrói a
beleza, nem o frescor, ainda que as
tranças de ouro se convertam em prata.