Alvaro Acioli
A história demonstrou exaustivamente que a luta
feroz,   entre os que ainda  buscam  alimento,pode  ser  substituída
por  formas solidárias de apropriação. 
Num dia longínquo, em algum lugar do planeta, alguns
homens fizeram  uma descoberta  fundamental : a  fome não era uma sensação particular, mas uma  experiência 
compartilhada.
Nesse mesmo instante notaram  que  diante
da  fome todos os homens padeciam  do mesmo sofrimento. 
Os primeiros homens, que escaparam da fome, procuraram
uma solução coletiva, estimulados por indagações angustiantes : o que
comer?  onde encontrar comida? como
evitar a  fome amanhã? o que fazer para
nunca mais ter fome?
É  razoável  imaginar terem percebido que o bando podia garantir
a  todos 
a  oportunidade de comer, do
alimento disponível,   o que necessitassem  para   viver.
E decidido guardar  o excedente, quando
houvesse,  para os tempos de escassez.
Essa  simples
decisão preservou a  solidariedade e
a  paz  e, consequentemente, a  sobrevivência 
do bando primitivo.
A  mesma  fome imperiosa, que destruia a coexistência, foi  convertida em força aglutinadora, garantindo
ao grupo, além  da  sobrevivência,  a 
realização de suas potencialidades humanas. 
Mas nas situações históricas vividas, desde então,  foi  se tornando
impossível a  preservação dessas
soluções,  tão simples e  claras.
A fome voltou 
a dominar  a  consciência dos homens, impedindo-os de usar novamente
a  razão. 
As manifestações de loucura, provocadas  pela  fome, se espalharam por todos os cantos da
terra. Os dados oficiais indicam  que
duas terças  partes da  população do mundo encontra-se em  estado de miséria  absoluta : não come o suficiente para  manter a própria  força 
física. 
Embora perseguidos pelo fantasma da  fome, desde o seu aparecimento, os homens
ainda não compreenderam que ela não é apenas uma manifestação de privação
nutricional, de falta do que comer. 
A fome é um problema  transcendente, de cuja solução depende o
destino da  própria humanidade.
O mais curioso nessa história é que, teoricamente,
esse problema fundamental  está
resolvido. A  tecnologia disponível  é capaz de produzir alimentos, em quantidade
suficiente para atender às necessidades de todos os habitantes de nosso
planeta.  
Já não seria utopia imaginar os homens vivendo numa
sociedade sem  famintos nem  mendigos. 
Mas infelizmente, em nosso  bando tecnológico planetário, predominam  ideologias e modelos políticos que precisam  manter 
a grande maioria dos homens 
com  fome, para  escravizá-los com  mais facilidade.

 
 
