Alvaro Acioli
O exercício extremado de
qualquer papel social conduz a uma tensão de expectativa, nem sempre
suportável. O ideal é tentarmos – na representação de qualquer papel – ser
apenas o melhor possível ; pai, amigo,
mãe, parceiro, etc.
Esse procedimento abre espaço
para um “não ser” ou um “não acontecer” como se gostaria, acabando por
afastar-nos da ilusão de que podemos manter todas as situações da vida sob
controle. Uma possibilidade, aliás, sempre difícil. E tanto mais remotamente
possível quanto menos dependentes elas forem de nossas ações.Certa vez
perguntaram-me se era possível aos pais não se preocuparem intensamente quando
um filho ou uma filha saem à noite, para uma “esticada nessa sociedade cheia de riscos e perigos. Comentei que achava a
situação bem parecida com a do passageiro de avião. No tempo em que os aviões
voavam baixo eu vivi uma situação interessante. Estava indo para Porto Alegre.
Quando a aeronave passou por Santa Catarina (zona aérea de muita turbulência)
começou a sacudir intensamente.
O passageiro a meu lado fazia mil caras e bocas, apertava as mãos, gemia. E eu
quieto no meu canto. Irritado com minha tranqüilidade ele perguntou asperamente
se eu não estava com medo ou se aquela era a maneira que eu usava justamente
para disfarçá-lo.
Eu respondi que quando entrava no avião assumia todos os riscos de ter entrado,
inclusive o de não chegar ao destino. E que aproveitava o tempo para fazer um
balanço de minha vida. E que tentava, nessa análise, reduzir as minhas
dificuldades existenciais dominantes na ocasião.
Até porque o meu papel na circunstância era o de passageiro e não o de
tripulante. E na condição de passageiro eu nada podia fazer para afastar
perigos que pudessem rondar as aeronaves que me transportavam. Certamente essa
atitude não mudava em nada o risco concreto dos vôos, mas melhorava
extraordinariamente a minha vivência durante os mesmos.
Meu interlocutor ficou subitamente calmo e nossa conversa “amena” só foi
interrompida pelo aviso de que o avião se preparava para pousar no aeroporto
Salgado Filho.
Os pais e mães, ou os que representam esses difíceis papeis no contemporâneo,
vivem a contingência dos passageiros de avião. Durante o tempo da “viagem” em
que estão envolvidos o melhor é se ocuparem com reflexões concretas do
dia-a-dia. E não ficarem tentando saber o que está acontecendo com a “aeronave”
(que barulho é esse no motor da direita, será que a cabine está
despressurizando, etc) porque isso só agrava os temores colhidos na fabulosa
capacidade inconsciente de produzir terrores. Afinal, na existência
contemporânea, estamos sempre com medo de alguma coisa ou nos culpando por
alguma razão. Em meu momento existencial presente – o de padecente de uma
inoportuna gripe – é preferível eu idealizar o que vou fazer quando esse mal
estar for controlado. E não insistir em indagar o por que de a medicação
prescrita com competência, por meu clinico particular, não ter dado ainda
resultados concretos. Agir assim só me leva a agravar o prognóstico da gripe ou
a estabelecer diagnósticos desfavoráveis e até ameaçadores do tipo eu estou é
iniciando um quadro de dengue hemorrágica.
Vamos tentar viver durante nossos "vôos existenciais" com menos
sobressaltos, imaginando que estamos sempre surfando num céu de brigadeiro..