a Luiz Antonio Mello.
Pintura de Alfred Gockel
LAM - Como o senhor vê rotulações do tipo "toda depressão é doença mental"? ÁLVARO ACIOLI - É preciso estabelecer um contraponto entre bem estar – sofrimento individual/social e depressão. Depressão é sobretudo um conceito. É sintoma, síndrome e doença. No ser humano os fatores sócio-culturais participam de todas as manifestações depressivas, em maior ou menor intensidade. Mas é preciso não confundir tristeza com depressão. Tristeza é um sentimento ligado a conflitos íntimos ou especiais e a perdas significativas, geradoras de luto. Já a depressão é principalmente alteração da afetividade e do humor, que ameaça seriamente a integridade existencial do deprimido.
Pintura de Alfred Gockel
LAM - Como o senhor vê rotulações do tipo "toda depressão é doença mental"? ÁLVARO ACIOLI - É preciso estabelecer um contraponto entre bem estar – sofrimento individual/social e depressão. Depressão é sobretudo um conceito. É sintoma, síndrome e doença. No ser humano os fatores sócio-culturais participam de todas as manifestações depressivas, em maior ou menor intensidade. Mas é preciso não confundir tristeza com depressão. Tristeza é um sentimento ligado a conflitos íntimos ou especiais e a perdas significativas, geradoras de luto. Já a depressão é principalmente alteração da afetividade e do humor, que ameaça seriamente a integridade existencial do deprimido.
LAM - A mídia apelidou o Prozac de "pílula da felicidade". O senhor acha que os novos medicamen tos curam ou apenas controlam os quadros?
tos curam ou apenas controlam os quadros? 
 tos curam ou apenas controlam os quadros?
tos curam ou apenas controlam os quadros? AC - Os antidepressivos, especialmente os bloqueadores seletivos de recaptação da serotonina, melhoram a neurotransmissão. Mas isso apenas corrige a lentificação e a limitação das atividades neurofisiológicas, observadas na depressão. Não se trata de cura, mas de estabilização, ainda que a resposta se torne duradoura. Por outro lado, sabe-se que o bloqueio de recaptação de neurotransmissores – seletivo ou não, aumenta a experiência humana de prazer, de bem estar ... Um bom trabalho, em torno desse fato neurofisiológico, pode melhorar consideravelmente os resultados no campo da chamada terapêutica antidepressiva. O aumento da vivência de prazer, de bem estar, reduz a expressividade dos padecimentos depressivos, sejam eles situacionais ou não. LAM - O que está contribuindo para que a nossa sociedade seja tão marcadamente depressiva? 
AC - As gerações passadas foram educadas para o sucesso, independentemente da felicidade. As novas gerações buscam a felicidade e o prazer, independentemente do sucesso. O racionalismo-pragmático, do modelo econômico globalizado,está inteiramente voltado para a sacralização do poder e do consumo. E isso se opõe a uma crescente necessidade humana de redescobrir maneiras de viver capazes de multiplicar as experiências de prazer, simplificando a realização pessoal. 
LAM - Qual a contribuição oferecida pelo desemprego epidêmico? 
AC - As restrições do mercado de trabalho e sua alta competividade aumentam, assustadoramente, o número dos excluídos. E o que é mais grave agora, de muitos excluídos qualificados. Uma graduação universitária melhora hoje apenas o currículo dos desempregados. Diga-se também que a desinformação, por excesso de informação, está fazendo com que se chame de depressão tudo o que se relaciona com a infelicidade humana. E isso cria um terreno fértil, onde florescem as soluções mágicas, não apenas as milagreiras, mas as panacéias de todos os tipos. 
LAM - É possível alguma medida preventiva? 
AC - Talvez uma mudança na orientação ideológica. É praticamente impossível promover-se a profilaxia e o tratamento da depressão sem uma contribuição significativa no campo da reorientação existencial dos que dela padecem. Por outro lado, o primado do dever e da eficiência ( mola propulsora dos modelos econômicos dominantes) precisa abandonar a sua impessoalidade, até por questão de sobrevivência, passando a priorizar o prazer e a realização dos indivíduos e de seus grupamentos ( tribais ou não ) sociais. 
LAM- Existe um ser humano totalmente normal ou Machado de Assis estava com a razão quando escreveu "O Alienista"? 
AC - A realidade tem mostrado que o desequilíbrio é a norma, em nossa sociedade, e não o equilíbrio como se insiste em buscar. E a imprevisibilidade atual, em todos os campos, tende a agravar essa situação. Através de Simão Bacamarte já o grande Machado de Assis defendia a tese de que normal é o desequilíbrio das faculdades mentais e patológico, o equilíbrio das mesmas. Penso que a normalidade, em qualquer sociedade ou cultura, é apenas um paradigma. Fora disso não passa de um mito. Acredito que a única intervenção, ainda ao alcance das terapias e dos terapeutas, é a de tentar contribuir para que se reduza esse desequilíbrio individual e social. Advirta-se, também, que muitos são os que estão precisando de sínteses e não tanto de análises. 
LAM - A felicidade é um estado imaginário, como diz uma canção do Barão Vermelho? 
AC - Ainda que pareça impossível, nesse mundo dominado por tantos conflitos e interesses menores, creio que esse bem maior está ao alcance de todos os humanos. A felicidade é uma possibilidade ainda realizável quando se consegue encontrar prazer na representação dos papeis sociais ativos. A felicidade pode premiar quem souber tornar criadoras as tarefas mais simples e rotineiras do dia-a-dia, revolucionando a monotonia do seu cotidiano. Também pode povoar a intimidade dos que se abrirem para os outros e para ao mundo, tentando contribuir independentemente de reconhecimentos ou recompensas. 
LAM - Qual é , a seu ver, o grande mal do nosso tempo ? 
AC - A intolerância, responsável pela morte de todos os famintos do mundo e dos que se matam, irmãos ou não, sob qualquer pretexto. Intolerância que deixa sucumbirem à mingua inocentes no Nordeste brasileiro, no Sudão, na Etiopia, em Biafra, no miserável Leste Europeu, na pobre América Central e em muitos outros lugares. Intolerância que perpetua o ódio entre árabes e judeus e que nutre o gérmem causador de todas as guerras entre Estados, seitas e ideologias. O destino da humanidade depende hoje, fundamentalmente, do desenvolvimento de uma tolerância comprometida com os direitos humanos, capaz de respeitá-los acima das circunstâncias ou das conveniências político-econômico-sociais. 
LAM - Para que futuro estamos caminhando? Sua expectativa é otimista? 
AC - Nesse momento é difícil antecipar o que o homem fará de si e dos seus semelhantes. São imprudentes ou ingênuas as previsões aparentemente mais lógicas. Só nos resta especular. Parece que tudo depende de como o homem vai equacionar certos aspectos de sua vida pessoal e social. Por enquanto, apenas assustam as conseqüências e o grande preço social do extraordinário progresso material que a humanidade realizou, em todos os campos do conhecimento... 

 
 
