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segunda-feira, 27 de abril de 2009

O prazer é a prioridade

Entrevista concedida
a Luiz Antonio Mello.
Pintura de Alfred Gockel

LAM - Como o senhor vê rotulações do tipo "toda depressão é doença mental"? ÁLVARO ACIOLI - É preciso estabelecer um contraponto entre bem estar – sofrimento individual/social e depressão. Depressão é sobretudo um conceito. É sintoma, síndrome e doença. No ser humano os fatores sócio-culturais participam de todas as manifestações depressivas, em maior ou menor intensidade. Mas é preciso não confundir tristeza com depressão. Tristeza é um sentimento ligado a conflitos íntimos ou especiais e a perdas significativas, geradoras de luto. Já a depressão é principalmente alteração da afetividade e do humor, que ameaça seriamente a integridade existencial do deprimido.
LAM - A mídia apelidou o Prozac de "pílula da felicidade". O senhor acha que os novos medicamentos curam ou apenas controlam os quadros?
AC - Os antidepressivos, especialmente os bloqueadores seletivos de recaptação da serotonina, melhoram a neurotransmissão. Mas isso apenas corrige a lentificação e a limitação das atividades neurofisiológicas, observadas na depressão. Não se trata de cura, mas de estabilização, ainda que a resposta se torne duradoura. Por outro lado, sabe-se que o bloqueio de recaptação de neurotransmissores – seletivo ou não, aumenta a experiência humana de prazer, de bem estar ... Um bom trabalho, em torno desse fato neurofisiológico, pode melhorar consideravelmente os resultados no campo da chamada terapêutica antidepressiva. O aumento da vivência de prazer, de bem estar, reduz a expressividade dos padecimentos depressivos, sejam eles situacionais ou não. LAM - O que está contribuindo para que a nossa sociedade seja tão marcadamente depressiva?
AC - As gerações passadas foram educadas para o sucesso, independentemente da felicidade. As novas gerações buscam a felicidade e o prazer, independentemente do sucesso. O racionalismo-pragmático, do modelo econômico globalizado,está inteiramente voltado para a sacralização do poder e do consumo. E isso se opõe a uma crescente necessidade humana de redescobrir maneiras de viver capazes de multiplicar as experiências de prazer, simplificando a realização pessoal.
LAM - Qual a contribuição oferecida pelo desemprego epidêmico?
AC - As restrições do mercado de trabalho e sua alta competividade aumentam, assustadoramente, o número dos excluídos. E o que é mais grave agora, de muitos excluídos qualificados. Uma graduação universitária melhora hoje apenas o currículo dos desempregados. Diga-se também que a desinformação, por excesso de informação, está fazendo com que se chame de depressão tudo o que se relaciona com a infelicidade humana. E isso cria um terreno fértil, onde florescem as soluções mágicas, não apenas as milagreiras, mas as panacéias de todos os tipos.
LAM - É possível alguma medida preventiva?
AC - Talvez uma mudança na orientação ideológica. É praticamente impossível promover-se a profilaxia e o tratamento da depressão sem uma contribuição significativa no campo da reorientação existencial dos que dela padecem. Por outro lado, o primado do dever e da eficiência ( mola propulsora dos modelos econômicos dominantes) precisa abandonar a sua impessoalidade, até por questão de sobrevivência, passando a priorizar o prazer e a realização dos indivíduos e de seus grupamentos ( tribais ou não ) sociais.
LAM- Existe um ser humano totalmente normal ou Machado de Assis estava com a razão quando escreveu "O Alienista"?
AC - A realidade tem mostrado que o desequilíbrio é a norma, em nossa sociedade, e não o equilíbrio como se insiste em buscar. E a imprevisibilidade atual, em todos os campos, tende a agravar essa situação. Através de Simão Bacamarte já o grande Machado de Assis defendia a tese de que normal é o desequilíbrio das faculdades mentais e patológico, o equilíbrio das mesmas. Penso que a normalidade, em qualquer sociedade ou cultura, é apenas um paradigma. Fora disso não passa de um mito. Acredito que a única intervenção, ainda ao alcance das terapias e dos terapeutas, é a de tentar contribuir para que se reduza esse desequilíbrio individual e social. Advirta-se, também, que muitos são os que estão precisando de sínteses e não tanto de análises.
LAM - A felicidade é um estado imaginário, como diz uma canção do Barão Vermelho?
AC - Ainda que pareça impossível, nesse mundo dominado por tantos conflitos e interesses menores, creio que esse bem maior está ao alcance de todos os humanos. A felicidade é uma possibilidade ainda realizável quando se consegue encontrar prazer na representação dos papeis sociais ativos. A felicidade pode premiar quem souber tornar criadoras as tarefas mais simples e rotineiras do dia-a-dia, revolucionando a monotonia do seu cotidiano. Também pode povoar a intimidade dos que se abrirem para os outros e para ao mundo, tentando contribuir independentemente de reconhecimentos ou recompensas.
LAM - Qual é , a seu ver, o grande mal do nosso tempo ?
AC - A intolerância, responsável pela morte de todos os famintos do mundo e dos que se matam, irmãos ou não, sob qualquer pretexto. Intolerância que deixa sucumbirem à mingua inocentes no Nordeste brasileiro, no Sudão, na Etiopia, em Biafra, no miserável Leste Europeu, na pobre América Central e em muitos outros lugares. Intolerância que perpetua o ódio entre árabes e judeus e que nutre o gérmem causador de todas as guerras entre Estados, seitas e ideologias. O destino da humanidade depende hoje, fundamentalmente, do desenvolvimento de uma tolerância comprometida com os direitos humanos, capaz de respeitá-los acima das circunstâncias ou das conveniências político-econômico-sociais.
LAM - Para que futuro estamos caminhando? Sua expectativa é otimista?
AC - Nesse momento é difícil antecipar o que o homem fará de si e dos seus semelhantes. São imprudentes ou ingênuas as previsões aparentemente mais lógicas. Só nos resta especular. Parece que tudo depende de como o homem vai equacionar certos aspectos de sua vida pessoal e social. Por enquanto, apenas assustam as conseqüências e o grande preço social do extraordinário progresso material que a humanidade realizou, em todos os campos do conhecimento...