Associados

domingo, 4 de setembro de 2011

Loucura social

Alvaro Acioli
Em todos os tempos e lugares a doença mental sempre despertou sentimentos de estranheza no homem.
E diante dela as diferentes sociedades assumiram posições contraditórias. Ora negaram a sua realidade ora defenderam a existência de uma grande distância entre o reconhecido como louco e o tido como normal.
Os grandes escritores, que se seguiram aos gregos, deixaram em suas obras
o registro dessa acentuada ambivalência.
Erasmo de Roterdam, em seu Elogio da Loucura, defendeu a tese de que a loucura não somente fazia parte do humano como era também uma de suas manifestações renovadoras.
Na mesma linha colocou-se o nosso grande Machado de Assis.
Em O ALIENISTA ele disse, pela boca de Simão Bacamarte: “...deve-se admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses patológicas todos os casos em que o equilíbrio seja initerrupto”.
E completou : “Que à vista disso declarava à câmara que ia dar liberdade aos reclusos da Casa Verde e agasalhar nela as pessoas que se achassem nas condições agora expostas”.
Outros escritores defenderam idéias completamente opostas, atribuindo influencias demoníacas à doença mental.
Curiosamente estudos sobre as etapas precoces do desenvolvimento mostram comportamentos mais próximos do adulto considerado louco que do tido como normal. Talvez isso explique o crescente esforço, social e legal, de reaproximar a loucura.
A doença mental é indiscutivelmente uma manifestação particular do humano e uma consequência de sua experiência existencial.
Esse tipo de padecimento traduz, sobretudo, as dificuldades que os homens encontram nas relações que estabelecem no espaço social.
E a luta pela liberdade indispensável à realização de todas as possibilidades do homem.
Uma liberdade que deve começar pela satisfação plena das necessidades primárias, especialmente comida e abrigo. Pois os problemas trasnscedentes do viver só podem ser assumidos quando o homem resolve a exigência preliminar de uma vida com um mínimo de dignidade.
Uma liberdade que precisa afirmar-se no direito de divergir e examinar, sem qualquer constrangimento ideológico ou político, as grandes contradições sociais.
A doença mental mostra um outro caminho de realização do homem, quando a liberdade absoluta do sonhar não o ajuda a representar todos os seus papeis sociais.
Ninguém pode ficar indiferente a nada do que é humano, particularmente o sofrimento mental. Até porque a realização da nossa sanidade depende de um melhor conhecimento da insanidade geral.
Precisamos e devemos, sempre que possível, manter os insanos em nosso próprio meio, superando preconceitos e constrangimentos. Pois somente a proximidade com a insanidade manifesta permite uma avaliação crítica da nossa experiência particular.
Uma grande loucura social é continuar confinando os loucos, protagonistas vivos do grande drama humano, que é o de tentar descobrir a própria normalidade.
Mas é tão dificil para a sociedade livrar-se de sua loucura como o homem de sua própria sombra.