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sexta-feira, 3 de abril de 2009

O cultivo do medo

Alvaro Acioli
As sociedades recorreram historicamente à privação da liberdade quando desejaram punir violações às suas regras e valores. Todas as formas de punição adotadas tentavam provocar o arrependimento e conseguir a submissão ao regime dominante. Foi sempre um recurso comum afastar o transgressor de seu ambiente. O castigo extremo era a expulsão do grupo, o banimento do próprio território, a ruptura de todos os laços sociais e familiares.Essas práticas se baseavam na idéia de que a liberdade era um bem indispensável para o ser humano, à semelhança do que ocorria em todo o reino animal; que confinado, o homem não conseguia construir sua identidade nem aperfeiçoar sua humanização.O tempo se encarregou de mostrar que a privação da liberdade acabava se tornando um problema caro e de solução nem sempre fácil. Para controlar bem e punir com eficiência os sistemas tinham de crescer infinitamente.Verificou-se, também, que o homem, além de ir e vir, acabava também querendo ter o direito de pensar e de ser ( ele mesmo ), em igualdade com todos os seus pares. Uma forma eficiente de subjugá-lo seria controlar os meios de sua sobrevivência. Não podendo trabalhar, o homem dificilmente teria o que comer e onde morar. A luta pela sobrevivência acabaria ocupando todo o seu tempo disponível.A feliz descoberta permitiu que muitas sociedades pudessem concentrar os bens sociais nas mãos de uma minoria, tornando "os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais miseráveis". Essas sociedades deixaram-se modernizar apenas na aparência, mas na prática atuam como grupos tribais primitivos : a grande maioria dos seus cidadãos vive em regime de verdadeira escravidão. Em certos lugares, além do pão são privados até de àgua. Por questões de segurança os filhos dos excluidos são impedidos de estudar.A socialização dos privilegiados é baseada no medo continuado. Não o medo dos desconhecidos, mas de conhecidos: das crianças que a política social , por razões operacionais, priva de direitos que uma Carta das Nações Unidas contemplou, por mera demagogia. O sucesso dessa ideologia se consolida numa socialização por castas; as crianças que estão fora das castas privilegiadas são sempre vistas como verdadeiras inimigas.O cultivo do medo promove a substituição da criação livre pela imitação compulsória. As inibições são acentuadas e bloqueado o próprio ato de pensar. É inoculado o pavor de imaginar coisas ou situações que estão fora da carta social. A grande meta é criar um estado de apreensão permanente, de medo vago que transforma praticamente tudo em ameaça. As crianças são treinadas para participar de uma guerra social e não educadas para viver numa sociedade com iguais. A fraternidade é uma fraqueza imperdoável. O grande objetivo social passou a ser atingir um sentimento de exclusão radical: discriminar os miseráveis porque são miseráveis e não conseguem deixar de ser.Para os líderes dessas sociedades só os ingênuos ou os insensatos repetiriam com Paulo Freire: "Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos, pelos que os oprimem, como um outro. Inauguram o desamor, não os desamados, mas os que não amam, porque apenas se amam. Os que inauguram o terror não são os débeis, os submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação concreta que gera os ‘demitidos da vida’, os esfarrapados do mundo".
http://aciolireunidos.blogspot.com/2008/04/o-cultivo-do-medo.html