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terça-feira, 6 de maio de 2008

O Grande Irmão Está Vendo Você

Roberto Acioli
As crises generalizadas na família, na escola, na fábrica, no hospital, na prisão, mostrariam que estas instituições estão no fim. Talvez porque o elemento que às gerou esteja também em seus últimos dias. Michel Foucault chamou esse modelo de Sociedade Disciplinar – as instituições citadas acima seriam meias de confinamento típicos desse modelo. Foucault nos apresentou dois modelos, a Sociedade de Soberania e a Sociedade Disciplinar. Na primeira, a propriedade era tirada dos produtores e a morte dos faltosos era uma regra – admistrava-se a morte. Na segunda, que Foucault localizou entre os séculos XVIII e XIX, a ênfase é organizar a produção e administrar a vida – daí a família, a escola, a fábrica, o hospital e a prisão. Estavamos sempre passando de um espaço confinado a outro. O panóptico ficou famoso como exemplo do modelo Disciplinar. Trata-se de uma tradução deste modelo na arquitetura dos prédios. Assim, prisões, hospitais, escolas ou fábricas passaram a ser planejadas para que os detentos, os pacientes, os alunos ou os operários pudessem ser vigiados sem que percebessem – quem não se lembra daquelas janelinhas nas portas das salas de aula!
A passagem do primeiro modelo ao segundo parece ter sido em grande parte operada por Napoleão, cuja campanha militar teria tido como pelo menos um dos objetivos destruir o modo de produção feudal. Entretanto, isto não significa que estes modelos tenham um encadeamento cronológico, países ou regiões contemporâneas no tempo estão em pontos diferentes em relação a cada modelo – qualquer brasileiro consegue compreender perfeitamente este detalhe.
Na família, todos os movimentos eram esquadrinhados, seja por constrangimentos morais ou pelo fato de que a maioria dos quartos dá para uma sala ou corredor das casas – claro que estamos falando de uma classe social que tem alguma noção, ou dinheiro, para sequer pensar em possuir alguma privacidade. E hoje, o que temos? Os filhos das classes desfavorecidades são vigiados pelas câmeras nas ruas e nos presídios. Os filhos das classes abastadas pagam serviços de rastreamento por satélite para seguir os carros de seus filhos e se fecham em condomínios caros e cheios de câmeras.
Os pais ligam para eles pelo celular, e já existe o rastreamento por satélite através do celular - é assim que Israel, da segurança de um helicóptero pairando bem alto, localiza e mata líderes palestinos oposicionistas.
Mas haveria uma nova fase, que Foucault reconheceu como nosso futuro. A Sociedade de Controle parece haver se firmado ao final da Segunda Guerra Mundial (1). Paul Virilio mostra que as Novas Tecnologias da Comunicação teriam sido apropriadas por este modelo. O que mostra a análise feita por Virilio é a transformação dos meios informáticos de transmissão de mensagens em formas de controle ao ar livre. Gilles Deleuze sugere que é próprio das Sociedades de Controle a operação dessas máquinas.
É um panoptismo a céu aberto: os indivíduos não têm mais que ser enclausurados para ser vigiados, basta esquadrinhar e codificar seu espaço. “O que conta não é a barreira [um muro ou uma parede alta, como o Muro de Berlin ou aquele que Israel fez para afastar os palestinos dos judeus], mas o computador que localiza a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal” (2).
O apogeu da Sociedade Disciplinar foi o princípio do século XX. Estamos no século XXI. O que temos? O que queremos? O que desistimos de querer? Como antes, continuamos construíndo mais muros do que pontes (entre nós e os outros, entre nós e os corações dos outros, entre nós e nossos próprios corações).
Pouco importa se agora o muro é virtual. Um muro é um muro!
Notas:
1. DELEUZE, Giles. Pourparlers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.2. Idem, p. 246.