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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O massacre cívico

Álvaro Acioli

A sobrevivência popular depende crescentemente das organizações comunitárias, ante o esfacelamento progressivo dos serviços públicos. A situação é tão grave que as associações de bairros e outras criadas para fins específicos, transformaram-se em verdadeiras trincheiras na defesa dos que não são respeitados como verdadeiros cidadãos.
Esse fato explica, em grande parte, o desespero que já se observa em grupos que até há bem pouco tempo ainda conseguiam atender razoavelmente a seus membros. A epidemia de desemprego, agravada pelo caos econômico sistêmico, não permite a menor liberdade para questionar as precárias condições de trabalho impostas à grande massa ; também não possibilita protestos contra os aspectos indignos e perversos, que continuam a orientar a relação entre o capital e o trabalho.
A manutenção da segurança pública, a assistência social, a educação e a saúde talvez sejam os únicos encargos que ainda justificam a existência atual do Estado. Mas em nossa realidade neolibero-anarquica esses encargos foram praticamente delegados à iniciativa privada, engordando o lucrativo mercado de serviços, sob a alegação de que se procedia à modernização governamental.
A desordem pública submete os cidadãos a toda sorte de riscos e de crimes. A corrupção e a incompetência praticamente destruíram a Previdencia Social, traindo os que contribuíram, durante toda a vida, para a sua consolidação.
O ensino oficial ainda não faliu completamente pelo idealismo dos professores e servidores das escolas e universidades, que continuam a trabalhar nas condições mais adversas e recebendo aviltantes salários.
O caos na saúde pública nacional completa esse quadro desolador. A resistência cívica dos membros da equipe de saúde já não consegue evitar o colapso da rede assistencial pública. O viver e o sobreviver são explorados por um marketing poderoso, que se aproveita do esfacelamento da rede oficial, para ampliar os seus negócios escusos, cheios de golpes e artimanhas.
Os Hospitais Universitários brasileiros agonizam. Logo eles que representam a única esperança de atendimento qualificado para os que não podem pagar a previdência médica privada. Para desviar a atenção popular - nesse momento altamente delicado e estratégico noticiam-se, com todo o alarde publicitário, operações policiais saneadoras, com caricatas denominações para maior impacto midiático, instrumentadas por espionagens telefônicas, indiscriminadamente autorizadas oficialmente.
As prisões espetaculares de grandes fraudadores ou ladrões do erário público, em todas as esferas políticas e sociais, são pouco depois geralmente relaxadas por ordens judiciais. E sempre fundamentadas como remédios legais aplicados em respeito a direitos individuais ou constitucionais desrespeitados, como se essa fosse uma rara ou excepcional ocorrência. Mas em nossa “sociedade do espetáculo”, de memória histórico-social demenciada, o registro que fica é o do foguetório multicolorido que dia-a-dia promove um carnaval purificador.
Esse quadro desolador mostra que os poderes "competentes" já decretaram, há muito tempo, o impeachment existencial da maioria do povo. Mas o grande noticiário só registra alguns dos reiterados protestos pelas mortes criminosas, consequentes a confrontos bélicos continuados, nas cidades e no campo, e pelos assustadores índices de óbitos ocorridos por falta absoluta de cuidados médico-sociais.
O picadeiro político e a ciranda das bolsas internacionais são muito mais importantes e mobilizam muito mais os meios de comunicação ; calando sobre o verdadeiro massacre cívico que infelicita o nosso país ajudam a perpetuar um modelo neo-medieval de gestão pública.