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domingo, 24 de julho de 2011

Socialização e Liberdade

Alvaro Acioli
Uma nova experiência humana deve edificar-se sobre a aceitação de sua condição finita e de uma existência com limites impostos. Não partir dessas condicionais é perpetuar o descaminho e perder, definitivamente, a chance de construir individualidades. Para escapar da tragédia da finitude é indispensável assumí-la. Essa é a única atitude que permite ao homem redescobrir o amor pela vida.
Uma nova educação deve aumentar a consciência do homem ensinando as responsabilidades que acompanham os seus direitos. E isso começa pela advertência de que qualquer existência está vinculada a todas as outras; que estamos condenados à co-existência. Nesse sentido a auto-afirmação começa pelo respeito à dignidade e a importância do semelhante. Sem isso é impossível evitar que o desencontro humano se perpetue.
Ante os extraordinários avanços tecnológicos, a instrução deve continuar sendo uma tarefa predominante do Estado. Mas a educação, indispensável para o aproveitamento adequado da instrução, deve prosseguir como o compromisso principal da família. Principalmente a iniciação dos usos e costumes, das normas e comportamento, das hierarquias e valores admitidos ou condenados, pela sociedade. Além do atendimento às necessidades físicas, deve continuar cabendo à família dar amor e a proteção indispensável para o desenvolvimento. Por isso é impossível melhorar o humano sem proteger à família.
Mas o comportamento perdeu a espontaneidade, ao longo do tempo. Os gestos mais simples reproduzem padrões, conceitos ou preconceitos, condicionados. O homem já encontra, ao nascer, os papeis sociais, o que torna difícil viver os infinitos modelos recomendados. O impacto provocado pela teleinformática colocou em situação critica a realização de todos os papeis sociais. O comportamento assumido, em função da experiência, foi substituído pelo comportamento recomendado. Antes a experiência revelava nossas motivações íntimas, facilitando a mútua compreensão. Os modismos forçam hoje que se aja em obediência ao que é sugerido ou imposto. Obedecer às regras, sem discutí-las, e amedrontar-se ante as verdades consagradas, são paradigmas importantes, do comportamento dominante.
Estamos escravizados pelas máquinas que criamos para dominar os animais. Antes do grande salto as mudanças eram lentas; mantinham-se por muitas gerações. Hoje, conceitos e valores, discutíveis, geram critérios cada vez mais precários. Do bom ao mal, do moral ao imoral, do certo ao errado, tudo se tornou questionável, ou descartável. O viver complicou-se extraordinariamente e todos precisam de uma reorientação existencial. Agora o natural, o simples, precisa ser redescoberto. Cabe indagar: se pode o homem criar hoje uma história própria, diante da relação indefinida com seu mundo? Pode ele defender-se da ação do tempo, que a todo o momento ameaça afundá-lo no anonimato ou na banalidade? Como ele pode prevenir-se e proteger-se do indiferentismo, da dispersão, da infidelidade a si mesmo?
A ampliação da liberdade humana surge como um importante caminho para a reconstrução. Volta a pergunta: e como conseguir esse intento? Penso que três pontos são da maior importância, na redefinição da socialização humana: 1. Reconhecer a motivação como o fundamento de todo o aprendizado; 2. Aceitar que a frustração é um elemento básico na va
riabilidade do comportamento; 3. Entender que educar é contribuir para outras individualidades e não a chance de reescrever a própria história.
A educação tem de ser repensada mais em termos de trajetória que de objetivos; como eu vou e não para onde eu vou. Os problemas da vida precisam ser ensinados como ocorrências possíveis, que podem contribuir para o crescimento pessoal, se enfrentados adequadamente. Já que não existe grupo social sem regras, deve-se desenvolver mais tolerância à frustração. A permissividade excessiva dificulta uma relação social satisfatória.
Um dia mestre Malraux advertiu: "A liberdade a que me considera ter direito é a tua. A liberdade de fazer o que te agrada. A liberdade não é uma permuta - é a liberdade". Somente livre, de fato, o homem pode encontrar o seu destino, realizar sua tarefa, plasmar sua forma, a da comunidade e a do mundo. E essa liberdade só é conquistada quando o homem descobre que ela é
fundamental.
Telas de Olga Spiegel