Associados

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A comercialização do erotismo

Alvaro Acioli

O homem moderno vive o momento do produto final elaborado, a fase histórica do não imaginar. Começa precocemente o seu dilema do não pensar. Desde cedo a máquina produz o que deveria ser alcançado pela imaginação, eliminando o ilusório do seu processo de percepção das coisas : a forma, o conteúdo, o movimento e o som. Não há, praticamente, desde a infância, a liberdade de realizar acima da capacidade de percepção dos sentidos.
O planejamento foi incluído no rol do importante para a formação do homem : o adolescente segue um rito pré-determinado e influenciado de origem. Busca, pela massificação, geralmente o que não deseja e, pela previdência – um medo do nosso tempo – obtém o que sonharam para ele. Na idade adulta, como o importante é viver, gasta o seu tempo na trilogia estar-consumir-caminhar. No estar, segue o padrão do ideal que os veículos de comunicação estabelecem; no consumir, o que os mesmos veículos promovem; seu caminhar mostra o ato da anti-vontade, arrastando-se sob as teias das modernos mitos e de suas máquinas.
Pouco ou nada foi deixado à faixa do sonhar humano. Nos tempos modernos, o uso da imaginação virou pejorativo de classificação, algo fora da realidade, anti-racional. O homem, na era do adulto-científico, da anti-análise, tenta afirmar-se num mundo, onde suas expectativas são previstas, satisfeitas, discutidas, contestadas ou negadas – à sua revelia. E tudo sempre decidido ou definido por paradigmas mitificados, com raríssimas oportunidades para afirmações individuais libertadoras
O esquema produzir-consumir extrapolou os limites do bem material, para transformar-se no hábito comum . Na música popular internacional, por exemplo, cria-se o estado de expectativa da aceitação, o tipo físico de interpretação, o significado. Nas artes plásticas explica-se o projeto antes mesmo da percepção ser o elo de envolvimento com o transmitido. O importante é o estar dentro, entender, ser o igual, não imaginar-se ultrapassado pelos símbolos e significados dominantes.
Mas não se pode, por mais mecanizada que seja a sociedade, eliminar o instinto natural, o primário e fundamental representado pelo mistério da reprodução. Nesse campo não existe ainda a verdade como a conseqüência da desmistificação – uma mania dos tempos de agora.
A reprodução remete à origem de cada um, simboliza o instinto-básico de procura e satisfação. É a configuração emblemática do não individual, do que não pode ser resolvido artificialmente, por mais modernizados que estejam os centros tecnológicos de produção. Para o enigma do sexo, os parceiros interdependem, em qualquer das circunstâncias ou modalidades existentes, e devem buscar-se não só com o sentido de ter, de possuir, mas pela necessidade imperiosa de complementação.
O elo do sonho está, então, no simples, no básico, no que representa a força da pulsão reprodutiva. Daí, a utilização do erotismo, o apelo à afetividade, ou à sexualidade, no esquema comercial do binômio produzir-consumir; ou de forma mais sofisticada, no cronograma do equilíbrio econômico, consumir sempre – ainda que se consumindo - para a perpetuação da ciranda produtiva.
Consagrou-se, por força da aproximação imposta pela tecnologia, no campo das comunicações, um falso sentido do realizável. O que era impossível antes, transformou-se no possível de daqui-a-pouco. Na intermediação se colocou, no entanto, uma barreira intransponível na promoção da felicidade – a motivação-alucinada para adquirir tudo o que se cria, hoje, para seduzir os homens. Ninguém consegue mais, diante da infinita variedade de objetos, sentir-se satisfeito, por um só instante. É para sanar essa insatisfação socialmente induzida que se promove a realização erótica, ofertada como sonho capaz de resolver todas as carências orgânicas e afetivas.
Por isso, a própria máquina da oferta descobriu que o melhor para seduzir a cada um, independentemente de sua condição, é atingir a vulnerabilidade a descoberto, explorar a potencialidade do imaginável no campo da complementação da insatisfação individual e coletiva. Daí, a comercialização do erotismo não visar apenas o erótico – ou o sexual – mas a promoção do que existe paralelamente à existência do homem ; o que ele veste, o que come, o que utiliza, o que faz ou o que deseja fazer.
Há, na mensagem dos veículos de comunicação de massa, principalmente, o apelo agressivo para o despertar da potencialidade escondida do homem como gente, para objetivar a necessidade do homem enquanto consumidor.
Os dois papéis distintos se completam quando o importante é movimentar a "máquina" para perpetuar o ciclo produção-consumo-produção. No meio do ciclo, o homem fica cada vez mais condicionado a comprar e acumular coisas, e cada vez menos atendido em sua realização pessoal.
Há que se negar, portanto, a existência de uma comercialização isolada do erótico. O que existe é a utilização do erótico para a comercialização do material na existência humana.
A exploração da pornografia exige um comentário adicional. Aí, como a comprovar que o erótico é sempre utilizado como meio, vende-se a pornografia para despertar a potencialidade individual que o homem não consegue afirmar na sufocante alienação coletiva. A pornografia se multiplica no vazio social propiciado pela crescente legião dos desesperados, dos frustrados na tentativa inglória de ter e estar, dos sem a mínima consciência do que são ou representam, dos incapazes de doar e receber.
O erótico é o meio ; o fim está no material – a grande oferta de venda da feira global em que o mundo foi transformado com seus bilhões de consumidores obedientes, que não perderam, apenas, o sentido do perpetuar-se através da perpetuação das espécies.
Quadros de Alfred Gockel