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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A normalidade relativa

Alvaro Acioli
A ressocialização dos pacientes

tem sido apresentada como a principal tarefa de todos os programas

do atendimento psiquiátrico

da saúde mental.
Estariam realmente os novos tratamentos permitindo a reintegração dos insanos ou nos é que estamos nos relacionando melhor com o mundo deles?

Os próprios remédios, que eram usados exclusivamente para os ditos “doentes mentais”, estão hoje sendo largamente consumidos, por muitos daqueles considerados normais pela sociedade.


O que se constata, na realidade prática, é que terapeutas e pacientes estão convivendo melhor nos ambientes de tratamento. Eles estão muito mais à vontade juntos, seja em hospitais, ambulatórios ou dispensários. Os novos psicofármacos, controlando de forma incisiva os sintomas da alienação, possibilitaram esse clima de proximidade. Ensejaram, também, a criação de pequenas comunidades, onde tratadores e tratados podem viver um momento social comum.


Não obstante, esse convívio ainda está circunscrito a pequenos grupos onde, respeitados como pessoas humanas, os pacientes encontram uma compreensão que não é a mesma existente na grande coletividade.


Permanecem muito sólidas as barreiras criadas pelo preconceito que cerca a doença mental, longe ainda de ser considerada uma doença comum.


Embora tenha feito grandes e extraordinárias descobertas, o homem aumentou consideravelmente os seus problemas e também seu medo. E o de enloquecer talvez seja o maior dos medos, em amplas parcelas de nossa sociedade.


A era da demonologia não se encerrou ; os demônios é que se modernizaram, disfarçando-se com novas roupagens e atuando de uma forma mais competente. No inconsciente coletivo o dito louco ainda é um possuído pelas forças do mal e, porisso mesmo, um incapacitado para uma vida criadora e participativa. Há resistências, bem profundas, dificultando o trabalho das campanhas de esclarecimento sobre as chamadas doenças mentais.


O homem-psicótico de hoje, principalmente após o advento da moderna psicofarmacologia, mostra um padrão comportamental muito menos contrastante com os homens de seu grupo.


É quase irrelevante a excentricidade do seu comportamento, quando o comparamos com o que se observa em seu meio. Seus neologismos jã não são tão originais ou muito diferentes dos adotados por amplas camadas de nossa população .


Diga-se o mesmo das alterações do pensamento, das flutuações do afeto e da vontade, distúrbios outrora privativos dos quadros psiquiátricos. Além disso alucinações, delírios e estados confusionais estão sendo hoje apresentados, em maior número, por “cidadãos-normais”, usuários ou dependentes de drogas.


A classificação do anormal, pela mera identificação de sinais e sintomas, sem que se realize um exame, em múltiplas dimensões, além de precária, vai se tornando – a cada passo – mais enganadora.


Os radicalismos doutrinários devem dar lugar a posições menos pretenciosas e mais críticas. Somente assim os supostos loucos vão se tornar pessoas comuns e ter o direito de dar um recado humano, contribuindo com o melhor de que são capazes.


http://mosaicoexistencial.blogspot.com/2008/02/normalidade-relativa.html