 Um dos mais populares produtos de chocolate à venda em toda a Europa é o chamado "Kinder Surprise" (no Brasil, Kinder Ovo), ovos ocos feitos de chocolate e embrulhados em papel colorido: depois de desembrulhar o ovo, quebra-se a casca de chocolate e se descobre no interior um pequeno brinquedo plástico (ou pequenas partes com as quais se monta um brinquedo). A criança que compra esse ovo de chocolate em geral o desembrulha nervosamente e apenas quebra o chocolate, sem se importar em comê-lo, interessada somente no brinquedo em seu interior. Esse apreciador de chocolate não é o exemplo perfeito do moto de Lacan "Eu o amo, mas inexplicavelmente amo alguma coisa em você mais do que você mesmo e portanto o destruo"? E, efetivamente, não é esse brinquedo o que Jacques Lacan chama de "l'objet petit" em seu sentido mais puro, o pequeno objeto que preenche um vazio central, o tesouro oculto, "agalma", no centro da coisa que desejamos?
 Um dos mais populares produtos de chocolate à venda em toda a Europa é o chamado "Kinder Surprise" (no Brasil, Kinder Ovo), ovos ocos feitos de chocolate e embrulhados em papel colorido: depois de desembrulhar o ovo, quebra-se a casca de chocolate e se descobre no interior um pequeno brinquedo plástico (ou pequenas partes com as quais se monta um brinquedo). A criança que compra esse ovo de chocolate em geral o desembrulha nervosamente e apenas quebra o chocolate, sem se importar em comê-lo, interessada somente no brinquedo em seu interior. Esse apreciador de chocolate não é o exemplo perfeito do moto de Lacan "Eu o amo, mas inexplicavelmente amo alguma coisa em você mais do que você mesmo e portanto o destruo"? E, efetivamente, não é esse brinquedo o que Jacques Lacan chama de "l'objet petit" em seu sentido mais puro, o pequeno objeto que preenche um vazio central, o tesouro oculto, "agalma", no centro da coisa que desejamos?O vazio material no centro do ovo de chocolate representa a lacuna estrutural por conta da qual nenhum bem é "realmente aquilo", nenhum produto satisfaz a expectativa que desperta. O Kinder Ovo, portanto, oferece a fórmula para todos os produtos que prometem "mais" ("compre um reprodutor de DVD e ganhe 5 DVDs grátis" ou, numa forma ainda mais direta, mais da mesma coisa -"compre esta pasta de dente e ganhe 30% a mais, grátis"), para não falar no truque padrão da garrafa de Coca-Cola ("olhe no interior da tampa metálica e poderá descobrir que ganhou um prêmio, desde outra Coca até um carro zero quilômetro"). A função desse "mais" é preencher a falta de um "menos", compensar o fato de que, por definição, uma mercadoria nunca cumpre sua (fantasiosa) promessa. Em outras palavras, a mercadoria "verdadeira" definitiva seria aquela que não precisasse de qualquer suplemento, aquela que simplesmente cumprisse totalmente o que promete -"você recebe aquilo pelo que pagou, nem menos nem mais". E não há uma clara homologia entre essa estrutura do produto e a estrutura do sujeito universal moderno? Os sujeitos, precisamente à medida que são sujeitos dos direitos humanos universais, também não funcionam como esses ovos de chocolate Kinder? Na França ainda é possível comprar um doce com o nome racista de "la tête du nègre" [cabeça de negro": um bolo de chocolate em forma de bola, vazio no interior ("como uma cabeça de negro burro"). A resposta do humanista-universalista à "tête du nègre" não seria precisamente algo semelhante a um ovo Kinder? Como colocariam os ideólogos humanistas: podemos ser infinitamente diferentes -alguns são negros, outros brancos, alguns altos, outros baixos, alguns são mulheres, outros homens, alguns ricos, outros pobres etc. etc.-, mas no fundo de nós existe o mesmo equivalente moral do brinquedo plástico, o mesmo "je ne sais quoi", um X indefinível que de certa forma representa a dignidade compartilhada por todos os seres humanos. Citando "Our Posthuman Future" (Nosso Futuro Pós-Humano, ed. Farrar, Straus & Giroux), de Francis Fukuyama: "O que a exigência do reconhecimento de igualdade implica é que, ao removermos todas as características contingentes e acidentais de uma pessoa, resta no fundo uma qualidade essencialmente humana que é digna de um certo nível mínimo de respeito: chame-o de Fator X. Pele, cor, aparência, classe social e riqueza, sexo, antecedentes culturais e até os talentos naturais de uma pessoa são todos acidentes de nascimento relegados à classe das características não essenciais. (...) Mas no reino político somos solicitados a respeitar as pessoas igualmente com base em sua posse do Fator X". Continuação em : http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/identidade.html

 
 
